Ouvidoria pede para polícia apurar se advogado morto pela Rota foi confundido com assassino de juiz
Homem morre em suposto confronto com a ROTA durante abordagem em Itaquaquecetuba A Ouvidoria da Polícia pede para a Polícia Civil de São Paulo investigar se ...
Homem morre em suposto confronto com a ROTA durante abordagem em Itaquaquecetuba A Ouvidoria da Polícia pede para a Polícia Civil de São Paulo investigar se um advogado, morto há uma semana pelas Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar (Rota), tropa de elite da Polícia Militar (PM), foi confundido com um criminoso do Primeiro Comando da Capital (PCC), procurado pelo assassinato de um juiz em 2003. Carlos Alves Vieira, de 48 anos, tinha o mesmo apelido de Adilson Daghia, de 56: "Ferrugem". Carlos, o primeiro "Ferrugem", era advogado, casado, pai de dez filhos, e dono de uma empresa que produz embalagens de papelão em Itaquaquecetuba, na região metropolitana de São Paulo. Teve uma passagem criminal por suspeita de furto em 2009, mas o caso contra ele foi arquivado pela Justiça. O g1 não conseguiu localizar a família de Carlos para comentar o assunto. Adilson, o segundo "Ferrugem", foi condenado pela Justiça a 26 anos de prisão por participar da execução de Antônio José Machado Dias, juiz-corregedor dos presídios de Presidente Prudente, interior do estado. O crime foi cometido há 22 anos a mando do PCC. Atualmente ele está foragido. A equipe de reportagem tenta localizar a defesa de Adilson. Advogado morto Carlos Alves Vieira foi apontado como membro do PCC pela polícia de São Paulo Reprodução/Arquivo pessoal Carlos morreu na tarde última sexta-feira (28), quando chegava de carro na frente do portão do condomínio em que sua empresa funciona, na Rua Carmo da Mata, no Arujá Country Club. De acordo com a Polícia Civil, ele era um criminoso do Primeiro Comando da Capital e reagiu a uma abordagem da Rota da PM. Segundo o boletim de ocorrência (BO) do caso, policiais militares das Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar disseram ter recebido "informações do serviço de inteligência" de que um "indivíduo de facção criminosa, de nome Carlos, estaria transportando drogas e armas" em um Toyota Corolla prata pela região. Ainda de acordo com o registro policial, a Rota informou que, "na tentativa de abordagem, houve troca de tiros". E que, no revide, três agentes com pistolas e fuzil atiraram nove vezes contra Carlos. Os PMs contaram ainda que "o suspeito foi desarmado e [o] resgate [foi] imediatamente solicitado". O BO não menciona que os PMs procuravam Adilson, um dos assassinos do juiz Machado Dias em 2003. Também não cita que estava atrás de alguém com o apelido "Ferrugem". Segundo a Polícia Militar, ambulâncias do Corpo de Bombeiros e do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) foram ao local e confirmaram que "o indivíduo veio a óbito". A perícia da Polícia Técnico-Científica e a Seccional de Mogi das Cruzes foram acionadas também. Foram apreendidas duas armas com Carlos, segundo a Rota: uma pistola Glock calibre 9 milímetros, com numeração íntegra, e outra pistola Taurus, calibre 380 mm, com numeração raspada. O BO não menciona quantos tiros o advogado teria dado na direção dos PMs. Nenhum agente ficou ferido. Tanto as armas usadas pelos policiais quanto as atribuídas ao advogado foram apreendidas na Delegacia de Polícia de Itaquaquecetuba. Elas serão periciadas pelo Instituto de Criminalística (IC). Também foram encontrados no veículo dele 10 "tabletes" de maconha e um cubo de vidro com cerca de 200 gramas da droga. E R$ 609 em dinheiro, manchado de sangue. O caso foi registrado como "homicídio decorrente de oposição à intervenção policial". Para a Delegacia de Itaquaquecetuba, a ação da Rota foi legítima e sem nenhum indício de abuso policial. "Nos termos do que foi narrado pelos policiais, estes, a princípio, agiram em legítima defesa" e "diante da excludente de ilicitude, não foi lavrado auto de prisão em flagrante", informa trecho do BO. Assassino procurado Antônio José Machado Dias atuava como juiz das Execuções Criminais e Corregedor dos Presídios da Região de Prudente Reprodução/TV Fronteira Adilson é foragido da Justiça desde 2023, quando não voltou da saída temporária de final de ano. Apesar de preso condenado pelo homicídio do magistrado em Prudente, ele havia progredido do regime fechado para o semiaberto. Mas não retornou à prisão após receber o benefício. Assassinato do juiz Machado Dias completa 20 anos e ainda choca Ele é acusado de ser o motorista de um veículo que fazia a cobertura dos criminosos que mataram Machado Dias. Os outros quatro condenados pela execução do juiz foram: Marcos Willians Herbas Camacho (Marcola) e Júlio César Guedes de Moraes (Julinho Carambola): receberam pena de 29 anos de prisão cada um por serem os mandantes intelectuais do crime. Atualmente, ambos estão presos no sistema penitenciário federal; Reinaldo Teixeira dos Santos (Funchal): condenado a 30 anos de prisão por atirar e matar Machado Dias. Atualmente, está preso no sistema penitenciário federal; Ronaldo Dias (Chocolate): condenado a 20 anos de reclusão por participação no assassinato. Ele era o condutor do carro que interceptou o veículo do juiz. Estava preso na Penitenciária Maurício Henrique Guimarães Pereira, a P2, em Presidente Venceslau, interior paulista; João Carlos Rangel Luisi (Johnny): foi condenado a 19 anos de reclusão por participação no homicídio. Deixou o sistema penitenciário paulista em abril de 2015. Ouvidoria da Polícia Troca de tiros aconteceu nas imediações da Rua Carmo da Mata, segundo a PM Reprodução / TV Diário Mas se a Rota informou no boletim de ocorrência que procuravam um suspeito chamado "Carlos", ligado a uma "facção criminosa" que transportavam armas e drogas num carro, de onde surgiu a informação de que os PMs podem ter confundido ele com o assassino do juiz? O próprio delegado Luiz Romani, de Itaquaquecetuba, também afirmou à imprensa que Carlos seria um outro "Ferrugem", mas membro do PCC, onde tinha papel de "sintonia final", tomando decisões sobre o tráfico de drogas nos municípios de Poá, Itaquaquecetuba , Ferraz de Vasconcelos e no bairro do Itaim Paulista, Zona Leste da capital. Segundo a Ouvidoria, o pedido que o órgão fez para a Polícia Civil apurar se houve um engano na ação da Rota se baseia nas denúncias anônimas que recebeu e no que a imprensa divulgou sobre o caso. Parentes, amigos e comerciantes da região levantaram essa hipótese. Eles alegam que Carlos não pertencia a nenhuma facção e só tem o mesmo apelido, "Ferrugem", de um conhecido criminoso do PCC procurado pela morte do juiz. Diante disso, a Ouvidoria informou ao g1 que enviou ofício à Polícia Civil para que também transfira para o Departamento Estadual de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP) a investigação do caso da morte do advogado, que atualmente é conduzida pelo Setor de Homicídios de Mogi das Cruzes. A Ouvidoria ainda pediu que as imagens das câmeras de segurança dos imóveis perto de onde ocorreu a morte de Carlos sejam encaminhadas à investigação policial. E que gravações feitas pelas câmeras corporais dos PMs também sejam levadas à Corregedoria da Polícia Militar para apurar a conduta dos agentes e saber se eles atuaram com excesso. O BO do caso informa que nenhum PM usava o equipamento. "O advogado era proprietário de uma empresa de cartonagem no endereço da abordagem, casado, pai de 10 filhos e 2 netos, de família tradicional em Poá e reconhecido por sua atuação em programas sociais segundo os relatos e era conhecido desde a infância pelo apelido de 'Ferrugem' similar ao do procurado pela polícia", informa trecho da nota da Ouvidoria. "Com essas divergências aparentes é imperiosa a célere e acurada investigação e apuração dos fatos, para que mais uma família não pague com o opróbio e a vida de seus pilares atuações e procedimentos injustificados e suspeitos, em desacordo com o histórico de bom uso da inteligência que marca esta corporação", termina o comunicado do órgão. OAB-SP Carlos Alves Vieira era advogado e foi morto pela Rota da PM, que o acusou de trocar tiros com os policiais Reprodução/Cadastro Nacional dos Advogados (CNA) Procurada pelo g1 para comentar o fato de Carlos ser advogado da subseção de Arujá, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), em São Paulo, informou que sua Comissão de Direitos Humanos no estado acompanha as investigações para esclarecer as circunstâncias da abordagem da PM que resultou na morte dele. "O advogado foi inscrito na OAB em julho de 2025, sob o n. 534830, momento em que apresentou as documentações exigidas para obtenção da Carteira de Advogado, como documentação pessoal e certidões de antecedentes criminais negativas", informa a Ordem. A OAB cita o fato de haver suspeitas de que possa ter ocorrido uma execução por parte da PM contra o advogado. "A Comissão esclarece que tem como principal função receber e encaminhar denúncias de violações aos Direitos Humanos em toda a sociedade, incluindo casos em que há indícios de execuções pelas forças do Estado e que permanecerá atenta aos desdobramentos do caso, inclusive para cobrar eventuais providências necessárias", continua o comunicado. Ministério Público Prédio do Ministério Público de São Paulo Reprodução/GloboNews O g1 procurou cinco promotores do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do Ministério Público (MP), que dispõe de organogramas atualizados da estrutura hierárquica do PCC. Quatro deles disseram não conhecer Carlos, esse "Ferrugem", como um membro da facção criminosa. Um dos promotores, no entanto, comentou que em 2015, ele chegou a ser investigado pelo MP por suspeita de tráfico de drogas, roubo a banco e lavagem de dinheiro. Mas essa apuração foi arquivada contra ele. Os promotores disseram que não dá para afirmar que a Rota o confundiu com o assassino do juiz. E caso tenha alguma desconfiança de alguém sobre isso, que ela seja apurada pelas autoridades. Inclusive se teria ocorrido algum excesso policial na abordagem ao suspeito. Secretaria da Segurança Batalhão da Rota da PM em São Paulo Reprodução/Google Maps Por meio de nota, a Secretaria da Segurança Pública (SSP) informou ao g1 que analisa as câmeras corporais dos PMs da Rota que participaram da ação e que a corporação ainda abriu um inquérito para apurar a conduta dos agentes. "A Polícia Civil investiga rigorosamente o caso, registrado como morte decorrente de intervenção policial no 1º DP de Itaquaquecetuba. As investigações são conduzidas pelo Setor de Homicídios e Proteção à Pessoa (SHPP) de Mogi das Cruzes, que realiza diligências para esclarecer todas as circunstâncias, inclusive com a análise das câmeras corporais dos agentes. A Polícia Militar também apura o caso por meio de Inquérito Policial Militar (IPM)", informa a nota da pasta da Segurança.